segunda-feira, abril 17, 2006

Adeus, poeta

A vizinha entrou na banheira e abriu a torneira. Precisava mesmo de água quente, água para lavar as feridas, para levar consigo toda a sujeira e o pó acumulado aqueles dias.
Tinha se apaixonado por um poeta e acabava de perceber por que ele já não gostava mais dela.
Era assim, ele a queria inalcançável, distante, fria, para admirá-la e dedicar-lhe seus escritos. Uma deusa de mármore. Não estava interessado na mulher, apenas na musa.
Mas ela era uma mulher, e o amava como uma mulher, com os desejos, as ânsias, os medos e a impaciência de uma mulher.
Não há entendimento possível entre eles. Ele não estava apaixonado por ela, mas pelo próprio sentimento. Precisa do sofrimento, da angústia, da incerteza e não do contacto. Apaixona-se pelo brilho acetinado de uma pele branca sobre lençóis escuros, seja a dela ou não. Ele escusa os beijos, os olhares húmidos, as mãos quentes; só gosta deles uma vez. Depois jã viraram conhecidos e cansativos.
A vizinha abriu mais a torneira. Entendeu que ela era mais um parágrafo na vida dele, um parágrafo e mais nada. Um escalão na sua procura da perfeição artística. Um meio e não um fim. E a água lavou suas lágrimas e acalmou as mágoas enquanto duas palavras escapavam dos seus lábios...
Adeus, poeta

3 Comments:

Anonymous Anónimo olhou e...

Acho que pela primeira vez não concordo com algo que tu escrevas...
Beijo

17 abril, 2006 21:06  
Blogger Phil's Studio olhou e...

Como eu te entendo, Nin...
Aquele abraço.

18 abril, 2006 00:44  
Blogger Carla olhou e...

Quem nunca teve um amor platónico??? Consigo entender perfeitamente o nosso "poeta", mas temo que a "vizinha" precise de algo mais carnal...
Gostei!!!

19 abril, 2006 09:05  

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