sábado, agosto 12, 2006

O miúdo mais insuportável

A sós na casa, como sempre; os livros, abertos sobre a mesa. Dois copos: ela bebe água; ele, Coca-Cola. Ele finge que escuta as palavras dela, mas ela não tem a certeza de ser escutada. É sempre assim com ele. Mas hoje não.
De repente, encosta a cabeça no ombro da vizinha e a desconcerta. Ela, que o achava o miúdo mais insuportável da capital, não sabe que pensar perante esse inesperado gesto de ternura.
Será que ele, depois de tudo, é vulnerável, ou é simplesmente uma pose para desarmá-la? Ela está acostumada com as atitudes carinhosas dos miúdos com os quais trabalha, mas ele já tem dezassete anos e nem entra mais na categoria de miúdo... Já o surpreendeu mais de uma vez com o olhar fixo no seu decote, no seu pescoço, na curva suave do lóbulo da orelha, rematado por brincos compridos. Mas depois ele sempre diz qualquer besteira para irritá-la e lhe faz demonstrar que é ela quem tem a autoridade durante o tempo que passam juntos.
A vizinha continua com a explicação de trigonometria e sente como ele roça o nariz no braço dela. Debate-se entre duas atitudes: perguntar ao miúdo se acha que está no cinema ou ignorá-lo. Afinal, é a primeira vez que ele deixa seu jeito desagradável e até parece humano...
Finalmente, decide dar-lhe uma oportunidade. E continua a introduzi-lo no fascinante mundo dos ângulos, fazendo conta que tudo é como sempre.