terça-feira, fevereiro 19, 2008

Prosaica, felizmente

Era tanta a chuva que me arrependi de ir de botas brancas e calças demasiado compridas, o tecido molhado até aos joelhos e o frio a penetrar-me sob a angora do pulóver. Cobri-me o nariz com o cachecol enquanto sentia as gotas a cair-me pelo cabelo abaixo e maldisse mentalmente o inverno peninsular.
Os felizardos que tinham guardachuvas escondiam-se embaixo deles do ataque líquido. Os que não tínhamos, corríamos como formigas à procura da casinha.
Parei um momento para procurar o chapéu na bolsa e dei por mim a olhar para os rios de tinta azul que desbotavam das minhas calças de ganga e escorregavam pelas botas. Uma súbita tristeza invadiu-me... Não pelas botas, mas por todas as coisas que tinham desbotado alguma vez na minha vida. Pensei nas traições, nas mentiras, pensei em muitas coisas, numa pessoa...
E pensei que, se a chuva era capaz de fazer desbotar umas simples calças, talvez pudesse molhar-me a alma e levar com ela todas as nódoas e as mágoas que ele me causou.
Tirei o pulóver e fiquei lá, a olhar para as núvens, com a água a cair-me pela cabeça, o pescoço, os dedos, até que a seda da camisa ficou colada à pele e o frio me fez espirrar.
Então peguei o pulóver e o meu sentido comum e voltei para casa a pensar como faria para a angora não se estragar depois daquela água toda.

1 Comments:

Anonymous Anónimo olhou e...

Pois...não é assim tão fácil. A água não lava tudo. Para além disso...há o perigo das constipações ;)

20 fevereiro, 2008 20:59  

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