Paraíso imperfeito

O único problema do paraíso onde mora a vizinha é, simplesmente, que não há praia.
E a vizinha se lembra das praias portuguesas e conta os dias que faltam até voltar...

À espera do mês...

Mais uma semana que começa e a vizinha já gastou em livros o que restava do ordenado. E agora?

Manifesto

Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
Eu compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem…

Adriana Calcanhotto, Senhas

Reconvenção

- MeNINa, que isso? Teu blog virou pornográfico!!
- Meu blog?? Achas?
- Acho não, tenho a certeza... O dia todo a falar de sexo, sexo e mais sexo... Já é cansativo! Será que pensas que assim vais ter mais visitas?
- Ah, mas posso saber quantas pessoas o visitaram?
- Nem isso sabes?
- Pára com isso!! Ok, ok, tentarei arejar um bocado o blog...
- Pronto.
- Pronto.
- Tudo bem.
- Tudo bem (de braços cruçados, beicinho e naricinha apontando para o tecto)

Certeza

Viver é desfrutar do precário equilíbrio
entre a magia das coisas que acontecem
e o mistério das que não acontecem...

Bluff

Deitados na cama, em silêncio. Na TV, o resumo do jogo do dia. É, é, a vizinha não gosta de futebol, mas seu convidado sim. E o convidado escolhe.
Deitados em silêncio na penumbra do quarto, a vizinha vira-se, meio dormida, e encosta a cabeça no travesseiro. Fecha os olhos.
O primeiro beijo a apanha de surpresa. Ele a beija, lábio contra lábio, suas mãos grandes quase cobrindo o rosto dela, e a vizinha, na sua confusão, só pode pensar que foram feitos com escalas diferentes, ele e ela. Ele tão grande, ela tão pequenina. Ele se afasta um bocado, ri e continua a assistir TV, como se nada tivesse acontecido.
Depois, a brincadeira. A provocação. O desafio. E ela, que roça o nariz dele com o seu, devagar, sorrindo, o coração batendo forte, debatendo-se entre o desejo e o medo de ser rejeitada.
E o beijo. De novo, o beijo. Mais surpreendente ainda, ele a beija de boca aberta, faminto, mordiscando-a, lambendo-a, devorando-a num ritual selvagem, apertando-a contra si com toda a força dos seus braços.
A vizinha se entrega e se rebela ao mesmo tempo. Segurando-lhe os pulsos, assume o controlo e se encosta sobre seu peito, sentindo o suor dele sobre sua própria pele. E fecha os olhos e suspira, decidida a conhecer todas as surpresas dessa noite.

Eu sou a dona dessa boca
que percorre teu pescoço
cantarolando palavras de desejo
numa língua que não é a tua...

Tão esperado

- Então...
Aproximas-te de mim e beijas-me. Finalmente sinto tua boca, teus lábios sobre os meus. E é tão bom... Tremo. Nossas salivas se misturam e minha respiração se acelera enquanto sinto a pressão da tua boca.
Percorro tua nuca com uma mão; continuo a tremer. Nosso beijo não termina. Tua língua brinca com a minha e deixo escapar um gemido.
Tão bom... Continua. É assim que eu gosto.
Teu cheiro, mmmmh... O gosto de teu beijo... O tacto de tuas mãos macias...
Um começo tão bom quanto aquele que eu sonhei para nós dois... Mas ao vivo.